A colecionadora de sorrisos

Uma cidade considerada grande nem sempre mantém alguns hábitos de cidades pequenas. Um deles é o de conversar nas ruas. Este é um dos motivos porque gosto do meu bairro e particularmente do meu quarteirão. Aqui saio distribuindo bons dias e boas tardes para as pessoas que conheço nesses meus 40 anos de Porto Alegre. Sei que não é comum nesses dias já tão atribulados e desconfiados que vivemos.

Essa semana, quando voltava do banco, encontrei uma senhora que conheço do antigo salão de beleza que já fechou as portas na onda da falta de dinheiro que abastece uma parte da população. Há os que tenham bastante, mas esses com certeza não moram na minha vizinhança.

A senhora. Mais de 90 anos, vinha com seus orgulhosos cabelos brancos, passos firmes e carregando compras do super mercado. Mora só e mantém sua autonomia. Um prazer falar com ela. Eis que me apresenta uma outra senhora que também parou para prosear naquele encontro de calçada. E essa se apresentou com uma expressão que achei adorável:

- Prazer, sou uma colecionadora de sorrisos.

Juro que nunca tinha ouvido essa expressão e dita com tamanha candura. Explico: sou uma pessoa que nasceu com medo de gente. Desde pequena era aquela guria "xucra", a que fugia das visitas, a que só foi conhecer o cunhado depois de anos escondida atrás do sofá. Quando cresci não mudei muito. Atrás de uma aparência séria e de poucos sorrisos, fui me assimilando como fóbica social com medos esquisitos como atender um telefone. Juro! As pessoas não acreditam muito até porque tenho coragens absurdas, como diria Clarice, para outras coisas. Isso aliado à dentes que nasceram tortos e que foram objeto de gozação explicita de parentes próximos, fizeram com que escondesse meu sorriso atrás de rótulos: virei fóbica social. 

Anos de terapia me colocaram um verniz social. Dores e amores me ensinaram a conversar mais e a sorrir mais. Mas não ando pelas ruas colecionando sorrisos como essa gentil senhora me revelou fazer. E com o maior orgulho!

Achei tão lindo. Obvio e verdadeiro. Ela me explicou que encontrava pessoas pela rua e sorria para elas, mesmo que não as conhecesse e considerava uma vitória quando conseguia delas de volta um belo de um sorriso.

Saímos de braços dados porque me desviei do meu caminho para leva-la ao restaurante (sim, tinha mais de 90. Sim, disse que tinha umas tonturas. Sim, morava só. Sim, graças a Deus mantinha a autonomia, malgrado a preocupação dos filhos).

No meio do caminho, exercitei o sorrir para outra senhora que saia de um prédio próximo, como o fez minha nova amiga. Ela imediatamente começou a falar conosco e mais uma vez o elo das conversas na calçada se formou. Nos despedimos e a senhora, minha recém conhecida colecionadora de sorrisos, me confidenciou que não a conhecia.

Sorri comigo pela lição aprendida. Ela não apenas colecionava, como era mestra de ensinar a buscar nos outros o encontro espontâneo dos que se desarmam e se reconhecem apenas humanos.  

Comentários

  1. Elegantes palavras, Elenara. Saúde e paz querida! 😘

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, a vida ensinando a reconhecer os mestres que passam pelo caminho. Namastê

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

amantes eternos (divagações com a IA)

O nunca mais

Bailarina bamba