Abrir portas exige escolhas

Estava aqui, a toa na vida, não para ver a banda passar, mas esperando a inspiração chegar.

Segundas feiras tem desses mistérios de amortecer os sentidos. Mesmo quando o fim de semana não é vibrantemente agitado, e talvez até em função disso, eu já me pego acordando tipo assim cansada. De corpo mas mais de alma.

Mas eis que vejo uma figura com uma pergunta, dessas tipo filosóficas de redes sociais.


Não sei vocês, mas eu abriria sem hesitar a porta azul. 

Não que eu não quisesse os R$ 10 milhões, mas de jeito nenhum daria 10 anos de minha vida por eles. Já estou naquela fase em que tenho menos tempo para a chegada que para o ponto do começo. Cada minuto é precioso e vale muito mais que cifras de dinheiro, por mais tentadoras que sejam. Então a porta amarela é descartada de cara.

Viajar pelo mundo seria maravilhoso. O resto da vida não sei. Quanto mais a hora de acabar a jornada se aproxima, mais sinto falta das raízes. Então a porta vermelha, por mais tentadora que seja, também é descartada.

Resta a azul. Voltar aos 15 anos! De cara aceitaria. Não precisava nem do bônus da sabedoria da maturidade. Voltaria nem que fosse para cometer os mesmos erros. Aliás foram eles que me tornaram a pessoa que sou hoje.

Voltaria à 1972, àquela Brasília cheia de poeira vermelha e pouca liberdade. Hoje mesmo quando fazia os exames de sangue para o checkup cardiológico o moço ficou surpreso ao saber que eu tinha vivido na ditadura. Senti que para ele esta era uma época tão do passado que uma guria sessentona como eu não poderia ter vivido nela...

"Era tão ruim na ditadura?" me perguntou o jovem.

Fiquei pensando. A guria de 15 anos nem achava tanto assim. Não tinha idade para confrontar o regime. Os filmes censurados não eram para sua faixa etária mesmo (embora se lembre de um sobre incesto entre mãe e filho que passou no cinema normalmente e ela ache esquisito até hoje). Estava envolta em paqueras, em descobrir o mundo, em curtir customizar suas roupas e oscilar entre os manequins mais cheiinhos, amargando ter muito peito e não poder andar sem sutiã. Mal sabia que isso ia virar moda décadas mais tarde.

Mas o jovem de hoje não entendeu quando falei das notícias censuradas em jornais, das receitas de bolo que saiam nas capas em lugar delas, das novelas censuradas, dos livros que não se podia comprar nem ler.

"Não havia liberdade de expressão?" me resumiu com espanto. E resumiu perfeitamente. Mesmo para quem trabalhava e agia comportadamente não havia liberdade de expressão. Nem e opinião. E vi no seu rosto o espanto do presente sobre um passado tão próximo e tão distante.

E com tudo isso eu ainda ia querer voltar aos 15 anos? Sem dúvida! Agora mesmo! 

Mais não fosse pela oportunidade de abraçar pessoas amadas que já não estão aqui comigo. Só isso valeria a pena tudo.

Para ter 15 anos de novo! E para ver se com o bônus do conhecimento de agora não ia perder tanto tempo me criticando e ia sim me amar mais. E fazer mais. 

Ia escrever mais. Ia criticar menos. Ia me aventurar mais. Ia ser menos séria. Muito menos séria.

Ia beijar mais. Ia amar mais. Ia confrontar mais.

Opa! Talvez fosse presa. Ou fichada. Talvez bailasse na curva.

Talvez escrevesse um livro.

Talvez escolhesse outra profissão. Talvez fizesse um concurso público.

Talvez tivesse filhos. Talvez casasse.

Talvez ainda fosse exatamente o que sou hoje. 

Se fosse possível, já estaria abrindo a porta azul das possibilidades e fazendo a vida acontecer diferente.

E você? Qual porta abriria?

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