A leitura e a fé e o mundo que almejo


A leitura me pegou de cheio desde cedo.

Devo avisar, por que nos dias brutos em que vivemos a sutileza deixou de ser entendida e as coisas tem que ser ditas com a maior clareza. Então para que me conheçam: sou mulher, acima dos 60, branca, hetero, burguesa e venho de família católica. Estudei em escolas públicas e particulares. Passei no vestibular depois de fazer cursinho, aos 17 anos. Comecei a trabalhar aos 23 anos, mais por vontade de aprender do que por necessidade material.

Mesmo assim, bem desenhado, tem muitos de descuidam de ler e já vem te tachando de tudo quanto é rótulo que encontram em seu vocabulário, abundantemente abastecido não pelos livros, mas pelos whatsapp dos amigos e até de desconhecidos. Além de colocar palavras como se fossem da Lispector e do Caio Abreu, e se ainda fosse boa literatura, até que eles iam gostar. Mas em geral são auto ajuda...Algo como colocar uma assinatura de Picasso em um Romero Britto. Outros ainda mandam vídeos de ilustres desconhecidos despejando suas verdades ou fakes e inundam minhas caixas postais acho que na esperança que eu não só gaste minha conexão e tempo baixando, como acredite em qualquer um que se disponha a gravar um vídeo. Haja paciência para os dias modernos!

Mas e se também não sou conhecida pela maioria porque perderiam tempo me lendo? É textão, não sou famosa e só escrevo porque tenho necessidade interna. Não leiam se não quiserem, aos que tiverem paciência de continuar, minha gratidão.

Como ia dizendo a leitura me pegou de cheio desde cedo. Tive o privilégio de nascer em um lar de leitores. Em um lar onde livros circulavam e estavam ao alcance de mãos e mentes ávidas, mesmo que de crianças. E li livros que talvez não fossem bem infantis em tenra idade.

Um deles em especial me cativava, amante da história que já era mesmo sem saber. Chamava-se "E a Bíblia tinha razão". O autor procurava fazer um paralelo entre a história arqueológica e documental com as passagens bíblicas. Não lembro exatamente quantos anos tinha quando li este livro. Mas lembro do fascínio que exerceu em mim.

(Outro parêntesis: Não venho de uma família exatamente postulante de regras religiosas. O que muito agradeço até hoje. Tive um avô extremamente católico, que esteve em seminário e tinha ainda a lembrança das guerras entre estes e protestantes e fez um pedido para minha mãe, ainda pequena, quando morreu: que jamais de casasse com um rapaz que não fosse católico. O outro avô, o que morreu lutando pelo seu ideal, era batista. Meu pai foi batizado batista. Não fosse o avô ter morrido quando meu pai era bem pequeno, ele teria crescido batista. E talvez isso fosse um empecilho para o casamento de meus pais. Além de batista, o Vô Fábio era maçom e espirita. Meus pais eram cristãos na prática, e coloca prática nisso, mas não eram praticantes e não nos obrigaram a seguir os regramentos de rituais religiosos).

Dito isso, lhe digo que li a Bíblia por vontade própria e com olhares de pesquisadora. E que livro incrível! Destarte o Antigo Testamento ser literariamente anos luz mais interessante que o Novo, que o digam os enredos de paixões, cantos eróticos, arroubos sanguinários, etc., aquele Deus que julgava, escolhia ele mesmo algumas pessoas para serem os eleitos e admitia o olho por olho, dente por dente, ferindo com ferro e fogo quem não seguisse suas leis, esse Deus não me fascinava. Gostei de imediato da mensagem do filho do carpinteiro: Paz e generosidade. Não façam aos outros o que não quer que façam a ti. Atire a primeira pedra quem nunca pecou. Um outro Deus de luz e harmonia. Uma mensagem que já tinha sido tentada por outros, que o simbolismo da mensagem de Amor não é propriedade de ninguém em especial. E talvez seja este o milagre mais belo: a compreensão que somos todos humanos. Que nossas guerras não precisam ser uns contra os outros, mas de nós em conjunto para uma meta em comum.

Infelizmente muitas guerras também foram feitas em nome daquele que nunca quis isso. Cada um pega a mensagem que recebe e a compreende com o que tem dentro de si.

Meu Deus, minha energia que aprendi desde pequena a admirar, nos fez à sua imagem e semelhança. Temos dentro de nós as sementes da transformação pela compreensão, pelo amor e pela unidade. Não pela força e muito menos pelas armas. Não foi a toa que foi torturado e morto.

Mal sabiam que a força do pensamento não se mata. Sementes brotam do chão mais árido. Coroas de espinhos viram símbolos da injustiça e a ideia, mais que os rituais de adoração, fazem de nós verdadeiros propagadores de sua palavra.

Continuo não frequentando templos e quando os faço é muitas vezes mais pelo interesse arquitetônico que pelo dever religioso. Continuo me preocupando com outras pessoas porque não consigo ser feliz sabendo que tem gente que passa fome e/ou não tem oportunidade de ter o que eu tive.

Meu mundo, o que aspiro, é um mundo onde caibam todos os pensares, os credos, as vontades e maneiras de amar e ser feliz. É um mundo onde a justiça seja realmente igual para todos, que uma pessoa não seja julgada pela cor da pele, que uma mulher possa vestir e fazer o que quiser, que um homem possa expor sua fragilidade sem ser julgado menos homem. Um mundo mais civilizado onde as pessoas não achem graça de fazer piada que possam ferir outra pessoa. Um mundo onde se valorize o conhecimento, a filosofia, mãe de todos eles. Um mundo onde o pensamento humano livre possa ser comunhão e as disputas se façam por quem faz mais pela cultura, pela saúde e pela felicidade.

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