Apodyopsis - despir mentalmente alguém

Adorar palavras difíceis. Aprendeu desde pequena. Tentar passar um raio x na alma alheia: também. 

Invadir a intimidade alheia exige muita responsabilidade. Há um quê de sutileza necessária para ir desafiando teias e véus e ir abrindo pedacinhos que outra pessoa teima em esconder. 

Primeiro porque não se sabe o motivo da defesa. 

Todos nós temos nossas feridas e nossos curativos emocionais. Pode ser uma fachada irônica, uma maneira mais fria e racional de trancar emoções. Pode ser uma falta de generosidade que esconde mágoas passadas e nunca resolvidas. Não importa, desembaraçar meadas de fios enrolados exige muita paciência. E determinação para lidar com as dores que daí advêm.  

Segundo que se meter em seara alheia sem ter a devida permissão é intrusão. E se não tiver muito, mas muito mesmo, amor envolvido, pode resultar numa grande lambança emocional. Abrir buracos negros pode não ter volta. Inclusive para alguém que está ao lado. 

Despir mentalmente alguém me parece fascinante. Sempre busquei a nudez de alma mais que a de corpo, embora não abra mão nem de uma nem da outra. Não sou tão platônica assim. Mas vou aprendendo com a maturidade a esperar. A não cavocar. A perceber que o amor é dádiva e conquista. Mais que nunca a frase de Demian me faz sentido :

"O amor não deve pedir, tampouco exigir. Há de ter a força de chegar em si mesmo à certeza e então passa a atrair em vez de ser atraído." Hermann Hesse

Das leituras juvenis já ando longe. Hermann Hesse, Saint-Exupéry e outros tantos que diziam com simplicidade e poesia coisas que a mente e coração fervilhante necessitavam. Os hormônios mais calmos, a mente mais racional, a própria leitura do termo grego passa longe do aspecto puramente carnal. Despir mentalmente alguém não é como ter uma visão de raio x tipo as máquinas do aeroporto e imaginar os sacanas que as operam. Embora ossos não sejam lá muito sensuais. Nem é também para mim aquele olhar 489 que alguém te dirige e te despe em público. Ou a gente lança para outros com a mesma intenção. O apodyopsis que traduzo tem a ver com intimidade. Com cumplicidade. Com aquele tirar a máscara findo o espetáculo público, onde a beleza dos filtros da sociedade dão lugar à cara lavada e aos meandros e abismos particulares.

Despir alguém mentalmente requer respeito. E sintonia para que a nudez de um e de outro seja bela e resplandeça de vida mútua. 

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