Pratos especialmente memoráveis da infância

Retomando o projeto 52 perguntas, 52 respostas que andava adormecido. 

Tenho essa mania de revirar o passado e anotar o que vou descobrindo, além de gostar de ouvir os tios e tias mais velhos. Foi assim que descobri muita coisa de minha família e atualmente estou reunindo essas informações em dois blogs para que mais pessoas possam também usufruir dessas descobertas.

Lembrei especialmente deste projeto que achei na internet tempos atrás lendo para minha mãe as recordações que ela e suas irmãs escreveram sobre as suas infâncias. Se não fossem por elas muitas das coisas que sei sobre meus antepassados teriam se perdido no limbo da história. E porque acho importante preservar a memória dos que me antecederam? Uma que é uma forma de homenagem. Outra que me mostra de onde vim e quais são os valores e heranças afetivas e comportamentais que deles herdei.

Algumas das recordações mais importantes de nossas vidas estão relacionadas aos sentidos. As músicas e sons que ouvimos. Os cheiros e os gostos. Particularmente esses dois juntos nos lembram as comidas da infância. Então lá vão dois ou três pratos que sua mãe ou seu pai faziam que eram especialmente memoráveis

Uma coisa básica para me entenderem: Eu e a comida tínhamos uma relação meio complicada... 

Sim, eu era meio chata para comer....Vocês não imaginam o drama na hora das refeições quando eu ainda sentava na cadeirinha alta. Não comia o que não queria. Alminha ariana (de signo) se revelando desde a tenra idade. Arroz, por exemplo, não passava um grão. Separava com a língua, tirava da boca e olhava bem firme. E jogava longe. Juro que queria ter guardado um pouco desse ímpeto de saber bem o que queria e o que não queria. Me faz falta hoje em dia.

Mas não era magrinha não, sinal de que comia. E bem. Aliás, acho que muito dessa birra talvez viesse dessa relação que a criança faz com a ansiedade materna. E digo isso com conhecimento de causa porque minha irmã adolescente enchia o saco, me pegava pela mão e me levava para o quarto. E de lá voltávamos com o prato vazio. (Não sei que tinha arroz ou não no prato...). Até hoje há quem jure que ela me batia. Mas nunca. Apenas sentava e tranquilamente me dava as garfadas. E eu comia com a maior tranquilidade!

Mas tinham algumas comidas que eu comia até com a minha mãe.

Batata frita. Clássico, né. Batata frita de mãe, dessas de antes de se saber que fritura podia ser prejudicial à saúde. Tinha gosto de quero mais. E a mãe fazia uns pratos bonitos, enformava o arroz em porções individuais, colocava uma folha de salsinha por cima. Um bife de carne vermelha passado na manteiga e as batatas fritas do lado....Coisa feita com amor. Super simples mas muito bonito. E antes do pai chegar, ela ainda tomava um banho, colocava uma roupa bem limpa, se perfumava toda e ia recebe-lo na escada. Todos os dias. Eles tinham essas delicadezas de namorados pela vida afora. Inclusive na comida.          

Outro prato que lembro com água na boca eram as sopas de feijão que a mãe fazia. Um adendo: eu também não comia feijão. Fui aprender a comer - e a gostar - muitos anos mais tarde, depois que deixei de comer carnes vermelhas, quando fui em busca de proteínas. Mas a sopa de feijão da mãe....nas noites frias do inverno, ela pegava o feijão do meio dia, passava no liquidificador e quando estava quase quente, jogava devagar um ovo que ia lentamente fazendo desenhos amarelos e brancos enquanto cozinhava no calor. Gente....vocês não imaginam o sabor dessas sopas! Tinham gosto de amor, de aconchego, de colo quentinho. Curavam qualquer gripe que se iniciasse...
Meu pai não cozinhava. Não era coisa da família dele. A irmã também nunca aprendeu. E a vó e a outra tia acho que cozinhavam (e bem) só por obrigação. Não era vocação em absoluto. Mas o pai amava comer. E era bom garfo. Desses que não tinham muitos quereres prediletos, apenas algumas coisas que gostava menos (aipim um delas, mas comia). Nunca exagerava embora dissesse que sempre tinha apetite. E sempre elogiava. Uma característica de meu pai: sempre elogiar porque tinha essa visão privilegiada que o fazia ver sempre um ponto positivo e bonito em tudo. Dele então não lembro de nenhuma comida em especial. Mas os picolés que me levava para comer antes do Papai Noel chegar, no anoitecer do dia 24 de dezembro vão ter sempre um sabor que sorvete nenhum no mundo vai poder superar.

Se esses pratos marcaram minha vida? Creio que sim. Mas marcaram mais porque eram símbolo de um carinho de todo dia, era um afeto de cuidados e atenções que eles sempre tiveram conosco. Fui e sou extremamente privilegiada de ter dois seres humanos especiais como pai e mãe e sempre serei eternamente grata às suas lições e atos memoráveis pela minha vida.

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