A caixa de lápis e os detalhes que fazem a diferença

elenara elegante

Olho a caixa esquecida. São lápis de variadas tonalidades. Uns tem a ponta gasta, são os escolhidos. Outros estão intactos. São olhados, admirados, deixados em sua gloriosa imobilidade. Seremos nós assim? Partes de nós jamais tocadas, apenas contempladas à distância, como se fosse perigoso viver aquilo que nos completa?

Nossas camadas esquecidas e intocadas serão também objeto de intensa admiração? Ou são apenas adiadas, como quem teme desvendar o próprio terror disfarçado de beleza? Nossos tocos, já gastos de tantas raspagens com gilete ou apontador, mostram que ali houve vida. Escolhas que marcaram trajetórias, iluminaram papeis. Talvez até choraram tinta sobre feridas mal cicatrizadas.
Coloriram tanto que se gastaram.

Nossos detalhes imergem indolores porque nossa alma é feita de detalhes.
São estes que fazem toda a diferença.
Os olhares que tocam sem invadir.
As palavras não ditas.
O abraço silencioso.
O afeto sentido e não alardeado.

Detalhes tão pequenos de nós dois...já dizia a música. Mas quem escuta quando o mundo está gritando certezas? Somos seres de levezas profundas e inquietantes indefinições. Carecemos de nossas próprias certezas. Nos abundamos de perguntas. Muitas, jamais ditas, por medo do que possam responder. Nosso mundo um eterno oscilar entre cores e escuridões.

Dormimos e sonhamos em formas que nem sempre sabemos decifrar. E então, ali, no intervalo do sonho, um anagrama de terror pisca como senha: algo está errado. Ou talvez esteja só oculto. E seguimos no carro, acreditando que sabemos o caminho, mas este nos é desconhecido. Os faróis dos outros nos confundem. As placas trocam de idioma. E quando paramos, a praça já é estranha. Estranhamente bela, estrangeira de tudo que achávamos conhecido.

E aí compreendemos: não é o mundo que mudou. Fomos nós que atravessamos uma fronteira invisível: a da alma esquecida. Somos eternamente enigmas. Embora simples, em essência.

Abre a caixa, Pandora, me grito em silêncio. Não temas os demônios, eles também querem conversar. Deixa tuas quimeras tomarem asas. Decifra tuas vontades latentes, não com pressa, mas com poesia.

Tento entender meu lado onírico que insiste em dizer, em cada sonho com cara de enigma: o tesouro da descoberta está em discernir os inalcançados tesouros internos. Busco auxílio de uma IA da vida e, já sintonizada com o meu estilo, me responde em um verso de pé quebrado;

O anagrama do medo
escrevia teu nome ao contrário.

Terror
Mas foi no erro da rota,
seguindo faróis alheios,
que a bússola interna sussurrou:
a estrada passa por ti.

Faz sentido? Sim, faz.
Tanto quanto a caixa de lápis. E sua profusão de escolhas que, mesmo esquecidas, continuam lá, esperando a mão que desenha.

Cada cor, uma possibilidade.
Cada detalhe, um caminho.
Cada passo, uma reconstrução.

No fim, é isso: nós somos a caixa.
Somos o toco e o intacto.
O sonho e a sombra.
O lápis que gasta e o que espera.
E tudo isso, junto, é o que faz diferença.

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