Por que amamos odiar os vilões — ou odiamos amá-los?



Os vilões. Porque exercem tanto fascínio em nós, pobres mortais? Muitas vezes mais que os bonzinhos de plantão. Já me peguei pensando muito sobre isso. E confesso que nunca entendia muito bem a razão.

Mas hoje, com essa chuvinha miúda e este sem paciência para um mundo caótico que nunca parece se encaixar, aqueles dias em que o café forte é bálsamo e muleta, pude compreender o que antes só raciocinava. E sim, tem uma baita diferença entre raciocínio pragmático e sentir com o coração e entranhas.

O que me disse essa mistura de eu, café e música clássica que entra em mim feito a chuva que caí lá fora? Que os vilões, sejam os reais ou fictícios, costumam permanecer mesmo depois do fim das histórias. Eles não acabam com o fim do livro, da série ou da história. Eles permanecem, nos cutucam e de certa forma, nos fascinam. 

Por que, afinal, gostamos tanto dos vilões?

Porque são humanos. Dizem o que muitos gostariam de dizer. E só imaginam, tolhidos que são pela educação aprendida. E o fazem com uma desfaçatez que chega as raias da sedução. Como essa pessoa se atreve a transgredir tantas regras de bom mocismo! Chega a ser como um soco bem dado, no momento certo. Quem nunca? É como se nos olhasse, dizendo: 
"Você também tem uma sombra. Eu só fui lá dançar com a minha."

Por isso mexem com a gente. 

Os heróis e heroínas costumam seguir regras de bom mocismo. Parecem viver em um altar onde incensam suas dores e as transcendem com tanta elegância, achando lições de moral em tudo o que lhes acontece. São sempre previsíveis. Sofrem abnegadamente com olhos em um futuro no paraíso. São até meio calculistas em sua falta de nuances. Talvez tenham suas vilanias, mas a escondem.

O vilão de verdade, este não é sonso. Ele rasga o script, vira a mesa, age em seu favor. 

E muitas vezes, mesmo discordando, a gente tem um quê de admiração. Sem alarde, é claro. E até com uma pontinha de culpa. Como quem espreita um incêndio e pensa em fotografar ao invés de ajudar.

Mas os vilões não existem apenas na ficção. Aliás, a vida real é bem mais criativa que a mente de muitos escritores. Eles apenas observam e retratam. A vilania mora em nós. Perto de nós. Ao nosso redor. Algumas vezes vem disfarçada de vaidade, de inveja mal guardada, de manipulação disfarçada de zelo. Sabe aquelas pequenas crueldades do cotidiano? Um comentário no meio de uma frase. Um elogio seguido de um MAS. Uma omissão jogada de propósito. Uma inveja prazerosa que sente um prazer secreto em ver o outro tropeçar. 

Já pararam para pensar que todo mundo, mais cedo ou mais tarde, pode ser vilão na história de alguém?

É aí que levamos sustos internos. Alguns que ainda não conhecem ou não sabem administrar a própria vilania. É como se o vilão, lá do palco onde o colocamos, nos olhasse de maneira direta e perguntasse:  Sim, eu faço o que quero. E você? E se também tivesse uma vontade doida de também jogar o balde longe e só não admitisse? Afinal, quem nunca racionalizou uma maldadezinha embalada em argumento nobre?

Tenho para mim que humanos somos todos. Não perfeitos, nem tão educados assim como gostaríamos de pensar. O que nos diferencia? Talvez a intenção da vilania, se é que se pode chamar assim. Ter a vontade explícita de ferrar com alguém e agir de propósito pode definir um verdadeiro vilão, daqueles de tremer as bases em roteiros de ficção. Ou de história. 

Não os vou louvar, os vilões, porque seu lugar é na lata de lixo da vida. Mas olhar com verdades para o nosso interior, entender nosso caos talvez nos faça repensar nossas próprias sombras internas. 

Nenhum ser humano é despido de camadas. Somos todos feitos de sentimentos os mais variados. E entender isso, nos faz mais inteiros. Talvez personagens mais ricos na vida.

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