Posso morrer mas não quero


Elucubrações sobre a morte, inspirada em Adília Lopes.

Posso morrer hoje. Posso morrer agora. Não quero, mas posso. Qualquer um de nós pode. Um raio, um enfarto, um mal súbito. Sabe-se lá os desígnios da vida. 

Posso e se.

Posso morrer hoje sem ter feito tudo o que queria. Mas o que queria e fiz, me abastecem até hoje de memórias afetivas. Posso morrer porque me conheço de tantas formas. Fui corajosa e covarde. Continuo sendo. Fui generosa e egoísta. Mais generosa, fazendo as contas de modo correto. Visitei lugares que sonhava e tive aquela sensação de que aquele era um momento único. Visitei Atenas.

Sofri abandonos, reais e imaginários. Escrevi achando que era um dom e percebi, três livros depois, que eram maneira de me comunicar com o mundo. Nem eram assim tão bons. Posso morrer porque aprendi a amar. Mas ainda não posso porque não esgotei do amor tudo que ele tem para me ensinar. 

Posso morrer porque de mim há de ficar uma lembrança doce na memória de alguns. Os mais importantes. E um brilho no olhar junto com a lágrima furtiva quando pensarem em mim. 

Posso morrer, mas não quero. Ainda me restam muitos locais para visitar, muitos abraços para dar, muitos livros para ler, tanto para aprender. 

Posso morrer, mas não quero porque orgasmos já tive vários, porque amar me faz bem, tanto que faço como aquele dito bíblico, não amo em vão. 

Posso morrer, mas não quero porque ainda me necessitam. Ainda precisam dos meus cuidados e da minha maneira torta e genuína de amar.

Posso morrer mas não quero porque ainda me sinto viva, e aprendo que o viver se faz de troca e compartilhar. 

Posso morrer mas não quero porque ainda sei rir de mim, sei administrar minhas lágrimas e sorrio aos novos amanheceres.

Quero viver porque a herança que pulsa em mim me traz a voz dos homens e mulheres que me antecederam, que me impulsionam com suas histórias e sonhos.

Quero viver porque sou curiosa e ainda não estou preparada para um mergulho tão vasto na imensidão do nada. Ou do tudo.

Comentários

  1. Lindo o teu inventário! Muito caminho trilhado, muitas emoções e vivências, mas ainda um desejo intenso por viver mais e aprender mais!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

amantes eternos (divagações com a IA)

Dos meus pertences

Das podas necessárias