Era dia de colheita

Depois da chuva tormentosa, resta procurar nos céus o arco íris. 

Embora otimista, restava nela uma amargura germânica, dessas que faz a natureza desconfiada. Dessas de procurar migalhas em vez de aproveitar a fartura. Dessas de metamorfosear de gris, o que pode ser luz.

Agora que o tempo alcança essa tranquila (e angustiante) curva do mais para lá do que para o começo que se dava conta que nunca precisara ter sido assim. Podia ter levado a vida mais de roldão, mais de boas. Podia ter sido mais sincera de coração, podia ter sido mais leve. 

Podia ter sido mais ela. Menos outros. 

E como estava no tempo do já que, urgia recomeçar. 

Era tempo de colheita. 

Da vida ia aproveitar o que restasse. O que tinha semeado. 

O olhar mais ligeiro. O amor mais faceiro. Ia gritar seus amores, suas dores. Seus desconfortos. Mas ia mesmo era amar muito. Ia rir mais que chorar. Ia relevar.

Ia fazer roseiras dos espinhos. Ia saber regar cada pedacinho de terra já antecipando a sementinha que cresceria. 

Ia viver. E mesmo que o mundo estivesse explodindo de incompressíveis alaridos de embates, tantos inúteis, outros tão necessários, dentro dela havia armistício. 

Podia que não compreendesse tantos modos díspares de ver o mundo. Podia seu coração se apertar de tanta mesquinharia mundana. Podia mesmo. E continuava. Mas também sabia que seu tempo findava. Outros e outras depois dela haveriam de buscar. 

A ela restava aproveitar. Amainar. Amar amando seus amores.

Ser piegas. Ser leve. Ser jardineira e colher.

Recolher.

Renascer. 

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