Primeiro surto, depois converso


Acordou com o sol da meia noite. Não, não estava em um país desses de contos de fada nórdicos, seu sol real fazia o movimento normal de ir e vir nos céus com alguma variação dependendo da estação. Era dentro dela que a claridade se fazia em plena escuridão. l

Uma estranheza. Apenas um quê que bateu esquisito na conversa de sempre. O dia tinha sido tão lindo que mal notou. Ou fez de conta que não notou. Ou não quis notar. Na verdade não.Tudo nela renascia e tudo nela não queria notar nada que destoasse do sol imenso que começava a brilhar por dentro.

Mas....o que pipocava dentro dela. Mais que as palavras ouvidas, o tom de voz era cortante. Ou eu coisa dela? Desconfiada desde que nascera, alma fugidia dessas que se entregam com as malas atrás da porta, prontas para seguirem viagem ao primeiro senão. 

Era ela. Surtava. 

Mas surtava calmamente. Com classe. Com elegância. 

Talvez como algumas vezes acontecia ia convergir paranoia e realidade muito tempo depois. As vezes décadas. 

Enfim, acordou com o sol da meia noite e surtou. 

Toda ela era um retorcer de pedacinhos de ilusão que se desfaziam, um a um. Conhecia esse sentimento de despertencer. 

Agora não. Respirou fundo com a certeza dos que já passaram dos cinquenta anos. E dos que fizeram terapia. E dos que acham que já se conhecem. E dos que encheram o saco de surtar dia após dia. Hoje não.

Hoje vou me dar ao luxo de descrer de mim. Vou fazer de conta que as respostas de fora não balançam, que talvez nem existam, que nada pareça não fazer sentido. Hoje vou me recompor.

Ou tentar.

E já nem importa se é amor que me falta, que quantas loucuras se faz por ele, pela falta dele, pela ânsia dele. Só por hoje vou respirar e deixar para lá. Vou desconstruir essa paranoia que me acomete em forma de desconfiança, pedacinho a pedacinho. Vou olhar para cada um deles e vou rir.

Talvez dias depois fosse realmente rir de tudo. Ou se não, o peso do coração talvez fosse menor. Talvez recolhesse de novo cada caquinho de sentimentos, unisse tudo em um mosaico colorido de boas vontades, colados com durex, com cuspe, com paixão e olhasse para cada um dos mosaicos que ia refazendo pela vida e que, pensando bem, formavam já uma linda colcha de retalhos.

Só por hoje. Só mais um dia.    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

amantes eternos (divagações com a IA)

Das podas necessárias

Escolhas